sábado, 29 de novembro de 2008

O SEMPRE E O DE VEZ EM QUANDO

Outro dia alguém pinçou uma de minhas afirmações para afirmar que eu não acredito em milagres. A afirmação que fiz foi que Deus deseja fazer algo em nós, e não necessariamente por nós. De fato, representa muito do meu pensamento: a principal obra de Deus no humano é a conformação do humano à imagem de seu Filho Jesus, que Paulo, apóstolo, chama de “primogênito entre muitos irmãos”. Mais do que fazer coisas boas para o ser humano, Deus está comprometido em transformar o ser humano, ainda que isso custe deixar ou permitir que coisas ruins aconteçam a este ser humano em processo de transformação. Deus não atua no ramo de “conforto para os fiéis”. Deus atua no ramo de transformação do humano à imagem de Jesus Cristo.
Daí a extrapolar que eu não acredito em milagres é um pulinho. Confundir a ênfase da minha teologia – “Deus faz em nós, e não necessariamente por nós”, com “Deus nunca faz nada por nós”, é até compreensível.
Na verdade, o que pretendo dizer é melhor compreendido quando se dá atenção ao “não necessariamente”: Deus deseja fazer algo em nós, e não necessariamente por nós. Sublinhe o “não necessariamente”. Isso significa que Deus pode fazer e pode não fazer, e que o fazer ou deixar de fazer é imponderável, afetado por muitas variáveis que extrapolam o nosso controle e nosso entendimento. O que acredito, portanto, é que Deus sempre deseja fazer algo em nós, mesmo quando não faz algo por nós. Deus está sempre agindo para nossa transformação, mesmo quando não atua em nossas circunstâncias.
Por esta razão, minha conclusão é óbvia e simples: não devemos pautar nosso relacionamento com Deus na expectativa de que Ele faça algo por nós, mas na certeza de que Ele deseja fazer algo em nós. Quando Ele faz algo por nós, amém, quando não faz, amém também. O que não podemos permitir é que a expectativa de que Ele faça algo por nós nos deixe cegos ou imobilizados para o que Ele quer fazer em nós.
A maioria dos cristãos baseia seu relacionamento com Deus na dimensão “por nós”: o Deus de milagres, o Deus de poder. Alguns poucos baseiam seu relacionamento com Deus no “em nós”: o Deus de amor que nos constrange a viver para Ele e não para nós mesmos, onde viver para Ele implica sempre morrer para si mesmo, tomar a cruz e meter o pé na estrada. O milagre é problema (ou solução) de Deus. A fidelidade é problema meu. Atuar em minhas circunstâncias é o imponderável do mistério de Deus. Atuar em mim é o essencial do propósito de Deus. Você escolhe a base de sua relação com Deus: aquilo que pode acontecer ou não – o milagre, ou aquilo que certamente acontece – a transformação.
Texto de Ed René Kivitz (Fonte:http://outraespiritualidade.blogspot.com)

VERGONHA


Por Rui Barbosa, escrito em 1914
A FALTA DE JUSTIÇA, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Carta aberta aos músicos cristãos

Por Brian McLaren
Saudações, colegas compositores, adoradores, líderes de louvor, músicos, artistas e seguidores de Jesus.Durante os últimos anos, tive o privilégio de passar bastante tempo “na estrada”, falando, com e para jovens líderes emergentes. Eu suponho que tenha sido convidado porque muitos desses líderes emergentes estão lutando com a desafiante realidade da pós-modernidade - uma realidade cujo enfrentamento me fez perder muitos fios de cabelos - e sobre a qual eu já escrevi alguns livros. Em meu contexto de origem, sou um pastor servindo a uma igreja que se comprometeu em viver a transição pós-moderna e enfrentar as questões que ela apresenta de uma forma ousada e confiante. Quando digo “ousada e confiante”, estou bastante ciente de que não existem até agora mapas que nos guiem nessa aventura - portanto, não temos uma idéia clara de para onde estamos indo, mas apenas a certeza de que estamos procurando seguir a Jesus. Sentimo-nos mais ou menos como o povo de Israel saindo do Egito da modernidade, e cruzando o mar em direção a um deserto desconhecido... Confiamos, no entanto, que uma coluna de nuvem e uma coluna de fogo nos conduzirão durante o dia e à noite.
Um dos benefícios de viajar é a oportunidade de conhecer coisas novas. Como músico que também sou, tenho gostado de conhecer e escutar dúzias de bandas e líderes de louvor, e também de passar horas, literalmente, em quase todos os eventos dos quais participo, sendo conduzido em adoração. De tudo que tenho conhecido e ouvido, existem muitas coisas que eu poderia me imaginar compartilhando com vocês, líderes de louvor. Existem, com efeito, inúmeras tendências encorajadoras ao lado de alguns poucos problemas persistentes. Mas uma coisa sobressai às demais: ela é, na verdade, um pedido mais do que qualquer outra coisa. Um pedido dirigido aos compositores em nosso meio para que explorem - e depois nos guiem em direção a - novos territórios espirituais e poéticos.
Com freqüência, ouvimos reclamações concernentes à pobreza das músicas, a monotonia das letras, a estreiteza teológica no universo da música cristã contemporânea. Algumas dessas reclamações vêm de pessoas que secretamente desejam que nós voltemos a cantar hinos como eles faziam nos anos 50 (se 1850 ou 1950, você decide). Eu não estou interessado em reclamações, e tenho pouco interesse nos anos 50 (exceto, talvez, em 2050). Não. Aqui está o que eu ando perseguindo: muitos de nós acreditamos que estamos entrando (ou talvez já estejamos lá) um período de transição teológico/cultural/espiritual significativo; possivelmente tão significativo historicamente quanto o período da Reforma, quando o mundo medieval deu lugar ao mundo moderno. Agora, à medida que o mundo moderno dá lugar ao mundo pós-moderno, não devíamos nos surpreender se presenciássemos uma revolução teológica (ao final da qual, nos tornássemos mais bíblicos, mais espirituais, mais eficientes em nossa missão - e, Deus, por favor - mais esclarecidos com respeito àquilo em que ela consiste, ao que ela é). Mas aqui reside o problema.No mundo moderno, a teologia era praticada por acadêmicos eruditos, e podia ser encontrada em livros e preleções. No mundo pós-moderno, muitos de nós acreditamos que os teólogos terão de sair mais freqüentemente das bibliotecas e se misturar ao restante de nós. E os melhores dentre eles darão as mãos aos poetas, músicos, cineastas, atores, arquitetos, decoradores, paisagistas, dançarinos, escultores, pintores, romancistas, fotógrafos, desenhistas gráficos e todos os outros tipos possíveis de irmãos e irmãs envolvidos com a arte. E isso, não apenas para comunicar uma teologia cristã pós-moderna, mas também para discerni-la e até mesmo para descobri-la. Porque uma das maiores mudanças dessa transição é a mudança do paradigma da utilização do lado esquerdo do cérebro apenas, para o paradigma da utilização do cérebro inteiro. Uma mudança de um racionalismo analítico e reducionista para uma perspectiva teológica mais abrangente e integral - uma teologia da mente e do coração, do entendimento e da imaginação, da palavra e da imagem, da inteligibilidade e do mistério, da explicação e da narrativa, da exposição e da expressão artística. Nossos compositores poderiam exercer um papel espiritual-chave no enraizamento desse tipo mais integral de teologia na experiência da fé de nosso povo.
Mas, tristemente, o que eu tenho percebido nas extensas horas de adoração em que tenho participado ao redor do país, é que muito raramente as letras de nossas músicas têm nos conduzido a esse novo território. Ao contrário, de algumas maneiras, as letras de nossas músicas têm nos mantidos presos ao corriqueiro e comum. Por favor, não escutem estas palavras como mero criticismo, mas como um pedido - um pedido gentil, mas honesto e apaixonado - por mudança. Sendo mais específico: uma quantidade demasiadamente grande de nossas canções é constrangedoramente personalista, sobre mim e Jesus. Ora, intimidade pessoal com Deus é um passo maravilhoso para além da mera repetição fria, abstrata e estática do dogma; mas não é tudo. De fato - isso talvez choque você - no novo e emergente mundo pós-moderno, intimidade com Deus não é necessariamente o ponto principal. Uma canção de adoração que tenho ouvido em muitos lugares nos últimos anos diz que a adoração é “toda a seu respeito, Jesus”, porém, com exceção desta frase, a sensação que temos é que a adoração - bem como o cristianismo em geral - tem se tornado cada vez mais acerca de “mim, mim e mim”.Se você duvida do que estou dizendo, preste atenção na próxima vez em que estiver cantando na igreja. As canções dizem respeito à maneira como Jesus me perdoa, me abraça, me faz sentir sua presença, me fortalece, me mantém perto dele, me toca, me aviva etc. E não há nada de mal em tudo isso. Mas se um extraterrestre oriundo de Marte viesse nos observar, eu acredito que ele diria uma dessas duas coisas sobre nós: ou (a) que essas pessoas são todas meio disfuncionais e necessitam de muita terapia do abraço (o que é irônico, pois estamos entre as pessoas mais privilegiadas do mundo, tendo sido, de todas as maneiras, mais abençoadas do que qualquer outro grupo na história); ou (b) que eles não se importam nem um pouco com o resto do mundo, que a religião/espiritualidade deles os faz tão egoístas quanto um não-cristão, mas em relação às coisas espirituais apenas e não tanto em relação às coisas materiais.
Eu não acredito que nenhum destes juízos seja tão verdadeiro quanto eles soariam aos ouvidos de um marciano. Ao invés disso, penso que nós compositores continuamos escrevendo canções desse tipo porque acreditamos que isso seja o que as pessoas desejam e necessitam. O assustador, no entanto, é saber que ainda que estes juízos não sejam completamente verdadeiros, eles poderão vir a sê-lo, a menos que tomemos algumas ações corretivas e busquemos um maior equilíbrio. É constrangedor admitir, mas, alguns de nós devem estar pensando nesse momento: “Se a composição de músicas espirituais não diz respeito apenas à temática da intimidade profunda e pessoal com Deus, a que mais ela diz respeito?”
Permitam-me oferecer uma lista de temas bíblicos que faríamos bem em explorar em nossas letras:
1. Vocês ficarão surpresos ao lerem em primeiro lugar que deveríamos explorar o tema da “Escatologia”. É preciso antes esclarecer que não quero dizer com isso que deveríamos adaptar para música o último romance apocalíptico (não, por favor; isso não!). Por escatologia (que significa o estudo do fim ou destino para o qual o universo se orienta), eu entendo a visão bíblica do futuro de Deus o qual está nos atraindo para si. Para muitos de vocês, criados como eu nas escatologias da modernidade tardia, será uma surpresa saber que existe uma abordagem totalmente nova à escatologia em emergência atualmente (liderada por alguns teólogos como Walter Bruegeeman, Jurgen Moltmann, e os “teólogos da esperança”). Esta abordagem não deixa espaço para especulações sensacionalistas e previsões trêmulas. Ao contrário; ela se banha na poesia bíblica de Isaías, Jeremias, Apocalipse... poesia na qual, uma vez interiorizada, planta em nós uma visão de um mundo muito diferente deste nosso e para melhor. E quando esta esperança cresce e cria raízes em nós, tornamos-nos seus agentes. Que alegria profunda poderia ser expressa em cânticos que captem o espírito de Isaías 9.2-7; 25.6-9; 35.1-10; 58.5-14! Quem irá escrever esses cânticos? Eles necessitam ser escritos porque as pessoas precisam de esperança. Elas precisam da visão de um futuro melhor. Elas precisam ter suas imaginações povoadas por imagens de celebração, paz, justiça e plenitude na direção das quais nosso mundo triste, beligerante, poluído e fragmentado se move e caminha. Esta esperança não se traduz por imagens etéreas de um outro mundo fora e acima desse nosso. Ela é algo muito, muito maior do que canções sobre mim no céu. Compositores: mergulhem nessas passagens... e permitam que seus corações sejam inspirados para escrever cânticos de esperança, cânticos de visões, cânticos que hospedem em nossos corações o sonho de um futuro que há muito foi esquecido... o sonho da vinda do reino de Deus, da vontade de Deus sendo realizada na terra como é realizada nos céus.
2. Vocês talvez fiquem igualmente surpresos ao me ver sugerir que nós precisamos de cânticos de missão. Muitos de nós acreditamos que um novo e maior sentido de missão seja o elemento-chave necessário para que entremos no mundo pós-moderno. Mas não falo apenas de missões, nem tampouco de evangelismo. Falo de missão - de participarmos na missão de Deus, no reino de Deus, que é muito maior e mais grandioso do que nossos pequenos esquemas organizacionais de auto-engrandecimento. Tal sentido de missão põe em cheque o fundamento de nossa cultura consumista orientada para “mim, mim e mim” e para as coisas que me dizem respeito. Jesus veio não para ser servido, mas para servir. E assim como Ele foi enviado, Ele também nos enviou ao mundo. Na nova teologia emergente, o coração mesmo de nossa identidade como igreja não é o fato de sermos o povo que foi escolhido para ser abençoado, salvo, resgatado, e abençoado mais um pouquinho. Isto é uma meia-verdade herética, que nossas canções correm o risco de estar espalhando e enraizando mais e mais no nosso povo - de maneira inadvertida, é claro. Não, o coração de nossa identidade como igreja nessa nova teologia emergente consiste em que somos o povo que foi abençoado (como Abraão foi abençoado) para sermos bênção; abençoados, portanto, para que possamos transmitir esta bênção ao mundo.Para muitos de nós, o mundo existe para a igreja. É como se ele fosse uma enorme jazida mineral de onde as pessoas retiram riquezas para construir a igreja, que é o que realmente importa. Na nova e emergente teologia e espiritualidade pós-moderna, esta imagem é terrível. Ela espelha o estupro e o despojamento do meio ambiente por parte de nossas indústrias. Nesta imagem, a igreja é mais uma indústria, tirando e retirando para o seu próprio lucro. Quão diferente é a imagem da igreja como a comunidade apostólica enviada ao mundo como as mãos, os pés, os olhos, o sorriso, e o coração de Cristo! Precisamos de canções que celebrem esta dimensão missional - boas e muitas canções! Aqui também precisamos voltar às Escrituras em busca de inspiração. Precisamos ler os profetas e os Evangelhos e imitarmos o compromisso deles com o pobre, o necessitado, o abatido. Estes temas não deviam ser expressos em canções? Eles não são dignos de serem cantados na igreja? À medida que escrevo, sou desafiado por este pensamento: talvez nós tenhamos supervalorizado o papel da música na adoração a tal ponto - em detrimento de tantas outras opções litúrgicas (poesias, orações históricas, silêncio, leitura meditativa etc) - que acabamos nos esquecendo do papel da música em relação ao ensino. Vocês se lembram de Colossenses 3, onde Paulo fala sobre cantarmos uns para os outros os ensinamentos de Cristo?
3. Uma vez mais, vocês talvez se surpreendam por me ver recomendar que nós devemos redescobrir a histórica espiritualidade cristã e a expressarmos em canções. Como Robert Webber, Thomas Odin, Sally Morgenthaler e outros têm nos ensinado, existe uma enorme riqueza de históricos escritos espirituais, incluindo muitas belíssimas orações, que clamam por serem traduzidas em canções contemporâneas. Cada era na história tem ricos recursos a oferecer: do período Patrístico ao período Celta ao período Puritano. Em cada página de Thomas à Kempis, em cada oração dos grandes santos medievais, existe inspiração esperando por nós... e quando olhamos para as repetitivas e monótonas letras que milhões de cristãos estão cantando (porque isso, gente, é o que nós estamos compondo!) a oportunidade perdida causa tristeza no coração. Essas “vozes estranhas” irão alargar os nossos corações e enriquecê-los de forma imensurável... até que, finalmente, - se nós as convidarmos para participar de nossa adoração através das letras dos cânticos - essas vozes se tornarão vozes de amigos, de irmãos e irmãs, porque isso é o que elas são.
4. Vocês provavelmente ficarão menos surpresos quando virem minha sugestão de que nós precisamos de canções que sejam sobre Deus simplesmente... canções que dêem a Deus o lugar de destaque, por assim dizer. Canções que falem de Deus como Deus, que falem do caráter de Deus, da glória de Deus, e não apenas do excelente trabalho que Deus vem realizando fazendo com que eu me sinta bem. De modo semelhante, nós precisamos de canções que celebrem o que Deus faz pelo mundo - por todo o mundo - e não apenas por mim, ou por nós. Caso você não tenha a menor idéia do que estou falando, leia os Salmos, porque eles celebram o que Deus faz por toda a criação, não apenas pelo povo de Israel. Muitas canções das quais necessitamos também celebrarão a Deus como Criador, um tema importante nas Escrituras, mas não para a maior parte de nossas igrejas. Sentimos falta na era moderna de uma boa teologia da criação, e nessa cultura emergente, nós precisamos de compositores/artistas e teólogos que se unam para celebrar Deus como o Deus da criação, não apenas 15 bilhões de anos atrás (ou quando quer que seja), mas hoje, agora... o Deus que conhece o pardal que cai, o Deus cuja glória ainda se manifesta num raio de luz, cuja ternura ainda se precipita como orvalho da manhã, cujos mistérios são ainda comparados às profundezas dos mares e à imensidão do céu noturno.
5. Eu também devo mencionar a necessidade de cânticos de lamento. A Bíblia está repleta de canções angustiadas, mais tristes do que os mais tristes blues; canções que traduzem a agonizante distância entre o que esperamos e o que temos, o que poderíamos ser e o que somos, o que cremos e o que vemos e sentimos. A honestidade dos cânticos de lamento é perturbadora, pois nem sempre eles terminam com uma nota feliz, como nos cartões comemorativos da Hallmark. Algumas vezes penso que somos demasiadamente felizes. E neste caso, a única maneira de nos tornarmos mais felizes ainda seria tornando-nos um pouco mais tristes. Para isso, então, teríamos de sentir a dor daquele que se encontra cronicamente enfermo, desesperadamente pobre, mentalmente doente; a dor do solitário, do idoso que foi esquecido, da minoria oprimida, do órfão e da viúva. Essa dor deveria encontrar expressão em canções e tais canções deveriam chegar de alguma maneira às nossas igrejas. Quanto mais amargo nós tornarmos o que é doce, melhor. Pois sem o amargo, o que é doce se torna enjoativo. E muitas de nossas igrejas parecem, eu acredito, com a terra das guloseimas ultra-açucaradas. É pedir muito que sejamos mais honestos? Uma vez que a dúvida é parte de nossas vidas, uma vez que dor, ansiedade e frustração são parte de nossas histórias, não poderiam elas estar presentes nas canções que entoamos em nossas comunidades? Não é verdade que cantorias infindáveis acerca de coisas alegres tendem a perder sua vitalidade (e mesmo sua credibilidade) se não cantamos também nossas lutas e tristezas? Já que estou tratando dessa questão, será que poderia oferecer algumas sugestões e fazer alguns pedidos? (Novamente, não sendo crítico, mas procurando ajudar vocês com os seus dons a melhor servirem na igreja nesses tempos de transição). Gostaria de fazer isso na forma de algumas perguntas:Primeira: Posso sugerir que nós finalmente superemos o uso linguagem arcaica em nossas novas letras (rompendo com a tendência de usarmos versões antigas da Bíblia)? Ainda que nós resolvamos manter esse tipo de linguagem em nossos hinos antigos, será que poderíamos abandoná-las em nossas novas composições? Nada mais a acrescentar aqui.Segunda: Posso sugerir que sejamos cautelosos com o uso gratuito de linguagem bíblica - Sião, Israel, nas alturas etc? Se houver uma boa razão para a utilização desse tipo de linguagem - em outras palavras: se as estamos usando intencionalmente e não apenas para criar um clima espiritual - então tudo bem. Do contrário, se pudermos encontrar linguagem e simbologia contemporânea que conecte de forma profunda e imediata com as pessoas que ainda não possuem muitas horas acumuladas de banco de igreja... então, vamos usá-las no espírito de 1 Coríntios 14, onde a capacidade de se fazer inteligível é tida como uma virtude.Terceira: Posso sugerir que nessa era de fundamentalismos islâmicos, nós sejamos cautelosos em relação ao emprego de linguagem que evoque a Jihad e a guerra santa? Eu suponho que exista um tempo e um lugar para esse tipo de linguagem, mas não acredito que nem este lugar e nem o tempo sejam aqui e agora. Em minha opinião, nós agora precisamos é de uma forte dose de paz Anabatista. Quarta: Musicalmente falando, será que eu sou o único desejoso de uma maior variedade rítmica? Por que será que ultimamente eu tenho sido tão abençoado por bateristas e percurssionistas criativos em todo lugar aonde vou? Quinta: Será que nossos líderes de louvor poderiam enriquecer nossa experiência cúltica lendo textos das Escrituras, orações da igreja histórica, credos, confissões, e poemas com um pano de fundo musical? Você talvez não goste de música Rap, mas ela tem tentado nos dizer alguma coisa sobre o poder da palavra falada, isto é, a palavra falada bem escolhida (já temos palavras não-tão-bem-escolhidas demais em nosso meio - creio que você concordará comigo). Finalmente, será que nossos letristas poderiam começar a ler mais poesia (e boa poesia) a fim de que se tornem mais sensíveis ao poder da linguagem, à beleza de uma frase bem construída, ao prazer de uma imagem fresca, nova, ao susto, ou golpe, ou toque, ou surpresa possível quando se insiste um pouco mais na busca pela palavra que realmente quer ser dita, exteriorizada, pronunciada desde o nosso íntimo? Tristemente, enquanto muitas de nossas canções têm música cada vez melhor, as letras ainda se parecem muito a um “trem de clichês”, com um chavão após o outro, numa irritante reciclagem de linguagem decepcionante e sem vida. Não são o nosso Deus, nossa missão, e nossa comunidade dignos de melhor qualidade poética do que temos oferecido até agora?Obrigado por considerar estas coisas. Eu espero que este seja o começo de uma importante e contínua conversa.
Seu colega e servo,Brian McLaren.
Brian McLaren é autor de vários livros, dentre eles: Ortodoxia generosa, A mensagem secreta de Jesus, A igreja do outro lado e Aventuras de quem perdeu o rumo.
Fonte:www.cristianismohoje.com.br

sábado, 22 de novembro de 2008

PREFIRO NÃO SER GOSPEL

Prefiro não ser gospel



Por Carlos Roberto Martins de Souza


Li há pouco tempo um artigo sobre uma reunião do mundo “gospel” onde empresários do ramo defendiam as suas idéias sobre a conquista do mercado musical. Segundo o artigo, a reunião durou uma hora e meia, mas depois de dez minutos a vontade do autor da matéria era sair correndo, enojado com o que estava ouvindo. Falou-se de tudo em termos de “negócios gospel”. Como atingir o mercado, como produzir produtos mais atraentes, como vender o público “gospel” para as empresas seculares, como oferecer vantagens aos pastores para que eles permitissem que os produtos fossem vendidos nas igrejas, como montar shows e espetáculos, e vai por aí afora.Em momento algum, afirmou ele, ouvi algo sobre: como vamos causar um impacto com o evangelho no Brasil e no mundo; quantos novos missionários vamos sustentar com o lucro do negócio “gospel”; o que vamos fazer para ajudar as igrejas a buscarem um avivamento; como vamos tornar Jesus conhecido. A reunião foi frustrante para aquele cidadão que pensava ser o “gospel” algo mais profundo, alguma coisa que de fato fosse mudar os conceitos de cristianismo neste nosso tempo.


Quando não éramos o mercado “gospel”, comprávamos Bíblias para ler e estudar, e não para colecionar. Comprávamos CDs pela profundidade das letras e espiritualidade dos cantores, e não pela fama dos artistas. Abríamos novas igrejas para alcançar os que não conheciam a JESUS, e não por causa de uma nova “visão” que causou divisão. Cada pastor estudava a Bíblia e ouvia o Espírito Santo para pregar a cada semana, e não simplesmente reproduzia a mensagem pronta recebida do seu “bispo ou apóstolo”. No tempo em que não éramos “gospel”, pastor ainda era respeitado e podia comprar no crediário. Não tínhamos bancada evangélica na política, que segundo a imprensa, só gera escândalos. Não precisávamos de prêmios para artistas e escritores de sucesso ou para igrejas que se tornaram famosas. Não tínhamos concorrência entre artistas na busca de um troféu de “Disco de Ouro” por vendagem de discos; não tínhamos a proliferação de “Rádios Piratas” usadas para a divulgação do gênero gospel e suas atividades. No tempo em que não éramos “gospel”, o “show” ainda se chamava “louvorzão”, não cobrava ingresso e não precisava de camarote vip para os artistas. Não se gastava fortunas para a montagem de palcos para a realização de espetáculos. Não se usava maquiadores, pois nem havia camarins. Não precisava reservar hotel “cinco estrelas” para as estrelas do palco. Não se usava jogo de luz, porque a luz que brilhava era a do verdadeiro louvor. Entrevistas e autógrafos sequer eram mencionados pelos que participavam das atividades relacionadas a vida cristã. Os adoradores não precisavam de seguranças, pois estavam seguros no Mestre, não tinham uma agenda de “shows”. Não havia Hip-Hop; Street Dance; Grupos de Teatro; Pagode; Samba; Rap; Funk. Como diz um amigo meu: “e pensar que tudo começou com um jumentinho! Lá em Jerusalém”.
Conseguimos transformar Jesus em “gospel”, “fashion” e “pós-moderno”, mas ainda não conseguimos traduzir a Bíblia para todas as línguas em que ela não existe, nem reverter a corrupção neste país, nem causar um impacto transformador na sociedade. Naquele tempo o objetivo único era a adoração e o testemunho da graça e do amor de Deus. Hoje o jumentinho foi esquecido e em muitos casos foi trocado por uma tal “Eguinha Pocotó”. Isto sem nenhum exagero.


Hoje os resultados da indústria “gospel” mostram gráficos cada vez mais animadores para os empresários. Qualquer um, em qualquer lugar e usando a religião como instrumento de propaganda passou a ser “Cantor Gospel”. O mercado da fé ampliou suas fronteiras sem observar o principio basilar do cristianismo que é a ética cristã. O que se vê hoje é a lei do vale tudo em nome de Deus, mesmo que para isto o nome Dele seja explorado no comércio da fé. No entanto, no tempo em que não éramos “gospel”, os resultados para o Reino eram mais consistentes. Nesta era “gospel” nos orgulhamos de ter milhares de igrejas e milhões de crentes, mas não nos envergonhamos da “corrupção gospel”. No passado éramos adoradores, hoje somos consumidores de todo o tipo do que se intitula música no meio evangélico. Levamos para dentro de nossas igrejas qualquer coisa que faça o povão entrar em transe e se soltar nas nossas reuniões. A inspiração Divina pouco importa, o que manda é não deixar o espetáculo parar.


Orgulhamo-nos por alcançar os mais longínquos lugares e de estarmos no rádio e na TV, mas não nos envergonhamos por termos diminuído o número de missionários no Brasil e no mundo. Orgulhamo-nos de sermos governantes nos mais diversos níveis da política ou de estarmos mais próximos aos dirigentes de nossa nação para orar com eles, mas não nos envergonhamos de que um avivamento ainda não aconteceu em nossa pátria por falta de oração e quebrantamento da nossa parte. Alguém pode dizer que tudo isto é saudosismo. Éramos cristãos, hoje somos meros freqüentadores de casas de espetáculos onde quem determina o roteiro e as regras do show é o mundo com as mais absurdas ofertas de sucesso. Aliás, o sucesso é a cachaça que embriaga os que freqüentam o mundo gospel onde não faltam orgulho, vaidade, exibicionismo como conseqüências da ingestão da tal bebida.


Eu me considero um futurista, sem qualquer dificuldade para quebrar os tradicionalismos do passado. No entanto, eu penso e analiso gerações. E quando faço isto e tiro conclusões, eu vejo que a igreja evangélica brasileira se tornou grande e obesa como um elefante, mas sem agilidade para provocar transformações. Os transatlânticos estão ancorados em todas as esquinas com espetáculos que enchem os olhos, mas não o coração e a alma. Aliás, nem dentro de suas paredes ela consegue provocar mudanças. Assim, mudam-se sim a roupa, a moda, os ritmos, a forma de culto, os aparatos, mas vidas não. Ela corre o risco de girar em torno de si mesma com grande possibilidade de perder de vez o equilíbrio espiritual que já anda cambaleando. Muitas estão embriagadas como disse acima pela aguardente derivada do sucesso e produzidas nos campos agrícolas do inferno. Enquanto esta igreja moderna e cheia de vícios mundanos não acordar para um quebrantamento do Espírito, vamos nos encantar com nosso gigantismo, mas não seremos efetivos em nosso impacto, mal conseguiremos amedrontar o inimigo. Enquanto não voltarmos às raízes do cristianismo abandonando práticas impostas pelo inimigo nos veremos perdidos no oceano das incertezas e de um evangelho de formas, mas sem qualquer conteúdo. Eu prefiro não ser “gospel” no sentido em que esta palavra é usada hoje, mas sou de JESUS, creio num avivamento da igreja brasileira e sonho com o dia em que o Brasil será usado por Deus para um impacto missionário global. Sonho com vidas transformadas para o mundo e não com vidas conformadas com este mundo; sonho com igrejas impactantes e não com grupos religiosos sendo subservientes ao senhor das trevas, Satanás.